Orçamento do Estado para 2014

Mais desigualdade<br>mais recessão<br>mais desemprego

Eugénio Rosa

Para re­duzir o dé­fice or­ça­mental que o Go­verno e troika afirmam que é, em 2013, de 5,5% do PIB de 2013 (9083 mi­lhões de euros) para 4% do PIB de 2014 (6723 mi­lhões de euros), seria su­fi­ci­ente re­duzir o dé­fice or­ça­mental em 2360 mi­lhões de euros. No en­tanto, e como consta do quadro que se en­contra na pág. 48 do Re­la­tório do OE2014, o Go­verno quer, em 2014, cortar 3184 mi­lhões na des­pesa pú­blica, au­mentar a re­ceita de im­postos em mais 534 mi­lhões de euros e obter mais 183 mi­lhões em me­didas que de­signa pon­tuais, o que so­mados com o corte de des­pesa dá 3901 mi­lhões de euros, ou seja, um valor 65,3% su­pe­rior ao valor da re­dução do dé­fice or­ça­mental que pre­tende al­cançar em 2014.

Este OE poupa os ren­di­mentos do ca­pital e lança o País numa re­cessão eco­nó­mica mais pro­lon­gada e pro­funda

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Como se re­co­nhece na pág. 39 do mesmo re­la­tório, ao dé­fice or­ça­mental ve­ri­fi­cado em 2013 «acresce um con­junto de pres­sões or­ça­men­tais que fazem au­mentar a des­pesa pú­blica. Em 2014, estas pres­sões as­cendem a 0,9% do PIB (1513 mi­lhões de euros)». E parte dessas pres­sões re­sultam pre­ci­sa­mente do «acrés­cimo sig­ni­fi­ca­tivo dos en­cargos com as Par­ce­rias Pú­blico-Pri­vadas (PPP) face a 2013». E também como consta da pág. 77 do re­la­tório OE2014, os en­cargos lí­quidos com as PPP (por­tanto de­pois de de­du­zidas as re­ceitas com as por­ta­gens), au­menta, entre 2013 e 2014, de 869 mi­lhões de euros para 1645 mi­lhões de euros (+89,3%) e, em 2015 e 2016, por ex., serão su­pe­ri­ores a 1550 mi­lhões de euros, o que mostra bem a grande men­tira com a qual o Go­verno tem pro­cu­rado en­ganar a opi­nião pú­blica de que con­se­guiu re­duzir sig­ni­fi­ca­ti­va­mente os en­cargos com as PPP. A con­fir­mação de que é men­tira é o facto de a co­missão en­car­re­gada de ne­go­ciar os con­tratos das PPP nunca ter apre­sen­tado um re­la­tório pú­blico dos va­lores que con­se­guiu re­duzir e em que ru­bricas. O Go­verno au­mentou de uma forma brutal e imoral o IRS sobre tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas mas até esta data não lançou qual­quer im­posto sobre os grupos eco­nó­micos (Mota-Engil, bancos, etc.) que estão a obter lu­cros imo­rais com as PPP e com os preços le­o­ninos que pra­ticam (PT, Galp, etc.).

Mas não é apenas de­vido à su­bida brutal dos en­cargos com as PPP que o Go­verno quer cortar em sa­lá­rios e pen­sões para obter um ex­ce­dente para os poder pagar, mas também porque os juros com a dí­vida atin­girão, em 2014, va­lores exor­bi­tantes. Como consta da pág. 93 do Re­la­tório os juros e co­mis­sões pagos pela dí­vida pú­blica al­can­çarão, em 2014, cerca de 8174,8 mi­lhões de euros, o que cor­res­ponde a 4,9% do PIB, por­tanto um valor su­pe­rior ao dé­fice or­ça­mental que se pre­tende atingir em 2014 que é 4,5%. Aquele valor (8174,8 mi­lhões de euros) é, pela pri­meira vez, su­pe­rior à des­pesa pre­vista com a ati­vi­dade de «edu­cação» em 2014, que é 7803 mi­lhões de euros, e com a ati­vi­dade de «saúde» em que se prevê gastar apenas 7256 mi­lhões de euros, con­forme consta do quadro da pág. 130 do Re­la­tório do OE2014. Corta-se na edu­cação e na saúde para se poder pagar os en­cargos exor­bi­tantes com as PPP e com a dí­vida pú­blica: eis um dos ob­je­tivos da po­lí­tica do Go­verno PSD/​CDS e da troika.

Cortes bru­tais aos tra­ba­lha­dores
au­mentos ri­dí­culos ao ca­pital

Como consta do quadro in­serto na pág. 48 do Re­la­tório do OE2014, o Go­verno pre­tende cortar 3184 mi­lhões de euros na des­pesa pú­blica em 2014, sendo 1320 mi­lhões de euros nas des­pesas com os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica (corte de sa­lá­rios e de su­ple­mentos atingem 796 mi­lhões de euros, des­pe­di­mentos, co­lo­cação na si­tu­ação de re­qua­li­fi­cação a re­ceber apenas 40% do sa­lário base, etc.); 891 mi­lhões de euros nas pres­ta­ções so­ciais (só nas pen­sões de apo­sen­tação e de so­bre­vi­vência o Go­verno pre­tende fazer um corte de 828 mi­lhões de euros), e mais 460 mi­lhões de euros nas pres­ta­ções so­ciais em es­pécie for­ne­cidas à po­pu­lação (só nos cui­dados de saúde o Go­verno pre­tende cortar mais 207 mi­lhões de euros). Por­tanto, só nestas três ru­bricas que atingem prin­ci­pal­mente os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica e os pen­si­o­nistas o Go­verno PSD/​CDS pre­tende, em 2014, fazer um corte que atinge 2671 mi­lhões de euros, o que cor­res­ponde a 83,9% do corte total de des­pesa pú­blica que pre­tende fazer em 2014. Mas não se pense que o ataque brutal às con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e dos pen­si­o­nistas da Função Pú­blica fica por aqui. De acordo com dados cons­tantes do mesmo quadro, o Go­verno pre­tende au­mentar, em 2014, as con­tri­bui­ções dos tra­ba­lha­dores e dos apo­sen­tados para a ADSE, SAD e ADM em 132 mi­lhões de euros, o que se tra­du­zirá por mais um corte nos seus ren­di­mentos, sendo um valor su­pe­rior ao «au­mento da con­tri­buição do setor ban­cário» em 2014 que será apenas de 50 mi­lhões de euros, ou da «con­tri­buição ex­tra­or­di­nária sobre o setor ener­gé­tico» que atinge apenas 100 mi­lhões de euros, o que levou os aci­o­nistas chi­neses da EDP e da REN a ame­a­çarem o Go­verno com re­pre­sá­lias, numa clara de­mons­tração que também estes «se­nhores» não res­peitam a so­be­rania do País, es­tando apenas in­te­res­sados, à velha ma­neira ca­pi­ta­lista, em sacar o má­ximo lucro.

Poder de compra dos tra­ba­lha­dores di­minui 20%

Na pág. 50 do Re­la­tório do OE2014 en­contra-se o quadro II.3.5 onde se apre­sentam si­mu­la­ções de cortes para re­mu­ne­ra­ções de 600 de euros, de 700 de euros, de 800 de euros, etc. E como não são feitas para va­lores de re­mu­ne­ra­ções entre os 600 de euros e 700 de euros, o Go­verno tem pro­cu­rado fazer passar a men­sagem junto da opi­nião pú­blica que tais va­lores estão isentos de cortes. No «Es­cla­re­ci­mento sobre as re­du­ções re­mu­ne­ra­tó­rias apli­cadas à função» pú­blica in­sinua mesmo que os cortes de 2011 apro­vados pelo go­verno de Só­crates, e man­tidos em 2012 e 2013 pelo atual Go­verno, são su­pe­ri­ores aos que o Go­verno pre­tende fazer em 2014.

Em pri­meiro lugar, é im­por­tante lem­brar que os cortes nas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica de Só­crates em 2011 só se apli­cavam às re­mu­ne­ra­ções su­pe­ri­ores a 1500 de euros e va­ri­avam entre 3,5% e 10%. O que acon­teceu em 2012, é que o Go­verno PSD/​CDS se apro­priou in­cons­ti­tu­ci­o­nal­mente dos sub­sí­dios de fé­rias e de Natal dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica, fa­çanha essa que tentou re­petir em 2013, o que foi im­pe­dido pelo Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal. Em 2014, o Go­verno pre­tende fazer um corte nas re­mu­ne­ra­ções não a partir de 1500 de euros mas sim de 600 de euros. E existem na Função Pú­blica cen­tenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores que ga­nham menos de 1500 de euros/​mês. Em 2013, os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica com re­mu­ne­ra­ções in­fe­ri­ores a 1500 de euros não so­freram quais­quer cortes nas suas re­mu­ne­ra­ções. Mas em 2014, o Go­verno pre­tende fazer cortes, que va­riam entre 16 euros e 129 euros, nas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores que re­cebem entre 600 de euros e 1500 de euros. E de acordo com a Di­reção Geral de Em­prego Pú­blico do Mi­nis­tério das Fi­nanças exis­tiam, em 2013, 251 931 tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica (43,8% do total) que ti­nham uma re­mu­ne­ração base ilí­quida in­fe­rior a 1500 de euros por mês. E mesmo sem en­trar com todas as ou­tras formas de re­mu­ne­ração (su­ple­mentos, horas ex­tra­or­di­ná­rias, etc.) con­ti­nu­avam a existir 214 671 tra­ba­lha­dores (37,3% do total) que ti­nham uma re­mu­ne­ração total ilí­quida (ganho médio ilí­quido) in­fe­rior a 1500 de euros por mês. O grupo dos «as­sis­tentes ope­ra­ci­o­nais», por ex., com 130 000 tra­ba­lha­dores que re­cebem uma re­mu­ne­ração base média ilí­quida de apenas 611 de euros por mês.

E os cortes nas re­mu­ne­ra­ções ilí­quidas to­tais que podem so­frer os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica em 2014 serão cer­ta­mente su­pe­ri­ores. Segundo a alínea a) do n.º 4 do art.º 33.º da pro­posta de lei «Con­si­dera mse «re­mu­ne­ra­ções to­tais ilí­quidas men­sais as que re­sultam do valor agre­gado de todas as pres­ta­ções pe­cu­niá­rias, de­sig­na­da­mente re­mu­ne­ração base, sub­sí­dios, su­ple­mentos re­mu­ne­ra­tó­rios, in­cluindo emo­lu­mentos, gra­ti­fi­ca­ções, sub­ven­ções, se­nhas de pre­sença, abonos, des­pesas de re­pre­sen­tação e tra­balho su­ple­mentar, ex­tra­or­di­nário ou em dias de des­canso e fe­ri­ados». Só «não só con­si­de­rados os mon­tantes abo­nados a tí­tulo de sub­sídio de re­feição, ajuda de custo, sub­sídio de trans­porte ou o re­em­bolso de des­pesas efe­tuado nos termos da lei e os mon­tantes pe­cu­niá­rios que te­nham na­tu­reza de pres­tação so­cial».

Con­tra­ri­a­mente àquilo que o Go­verno pre­tende fazer crer no «Es­cla­re­ci­mento sobre as re­du­ções re­mu­ne­ra­tó­rias apli­cadas à função pú­blica» di­vul­gado em 18-10-2013, o corte nas re­mu­ne­ra­ções que pre­tende fazer em 2014, a con­cre­tizar-se, de­ter­mi­nará uma forte re­dução na re­mu­ne­ração lí­quida total dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica e, con­se­quen­te­mente, no seu poder de compra e nível de vida. To­mando como base de cál­culo o ganho médio ilí­quido na Função Pú­blica que é atu­al­mente 1750 de euros, se­gundo a DGAEP, o enorme au­mento de im­postos ve­ri­fi­cado em 2013 que se mantém de­ter­mina uma re­dução no ganho médio lí­quido de 5,8% e o corte nas re­mu­ne­ra­ções em 2014 causa uma nova re­dução es­ti­mada em -8,8%.

Por­tanto, o efeito con­ju­gado do enorme au­mento de im­postos, que se mantém em 2014, e do corte de re­mu­ne­ra­ções em 2014 de­ter­mi­nará que, entre 2011 e 2014, ou seja em apenas três anos, o ganho médio lí­quido dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica di­minua em 14,1%. Se con­si­de­ramos o au­mento de preços ve­ri­fi­cado neste pe­ríodo con­clui-se que, só entre 2011 e 2014, os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica perdem cerca de 20% do seu poder de compra.

CES não poupa pen­sões de apo­sen­tação

O Go­verno ten­ciona manter em vigor em 2014 a Con­tri­buição Ex­tra­or­di­nária de So­li­da­ri­e­dade que se aplica apenas aos pen­si­o­nista da Se­gu­rança So­cial e da CGA. E mesmo em re­lação aos apo­sen­tados da Função Pú­blica, a quem o Go­verno pre­tende cortar 10% nas pen­sões que estão a ser pagas (o corte de 10% con­ju­gado com o enorme au­mento de im­postos que se mantém em 2014, de­ter­mina uma re­dução, entre 2011 e 2014, na pensão lí­quida média es­ti­mada em 25,9%), o Go­verno pre­tende aplicar a CES em­bora com al­gumas «adap­ta­ções». E quais são essas adap­ta­ções? Se­gundo o n.º 9 do art.º 74.º da pro­posta de Lei OE2014, «A CES apenas é acu­mu­lável com a re­dução das pen­sões da CGA ope­rada no quadro da con­ver­gência deste re­gime com as re­gras de cál­culo do re­gime geral de Se­gu­rança So­cial na parte em que o valor da­quela ex­ceda o desta». Assim, para o apo­sen­tado da CGA, que sofre um corte de 10% na pensão que es­tava a re­ceber, saber quanto ainda terá de pagar de CES terá de fazer o se­guinte: (1) Cal­cular o valor da CES com base na sua pensão após o corte de 10% (a CES só se aplica a pen­sões de valor ilí­quido su­pe­rior a 1350 de euros; para pen­sões 1350 de euros até 1800 de euros a taxa a aplicar é 3,5% do valor da pensão; para pen­sões até 3750 de euros: até 1800 de euros a taxa é 3,5%; para o valor entre 1800 de euros 3750 de euros a taxa é 16%; para pen­sões su­pe­ri­ores a 3750 de euros a taxa que se aplica sobre o valor de toda a pensão ilí­quida é 10%) (2) Com­parar o valor ob­tido com o valor do corte que so­freu na sua pensão; (3) E en­quanto o corte na re­mu­ne­ração for su­pe­rior ao valor do CES, não tem de de­duzir nada por CES, mas logo que o valor da CES ul­tra­passe o valor do corte na pensão, tem de de­duzir a di­fe­rença entre o corte e a CES à sua pensão. Para muitos apo­sen­tados é mais um corte.

O au­mento anual da ida­dede re­forma
ou de apo­sen­tação

Em­bora as al­te­ra­ções da Lei de Bases da Se­gu­rança So­cial ainda não te­nham sido apro­vadas pela As­sem­bleia da Re­pú­blica, o Go­verno pre­tende al­terar a fór­mula de cál­culo do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade, para poder subir con­ti­nu­a­mente a idade de re­forma ou de apo­sen­tação. Atu­al­mente, che­gado aos 65 anos, o tra­ba­lhador, tendo so­frido um corte na pensão de­vido à apli­cação do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade, pode-se ime­di­a­ta­mente re­formar ou apo­sentar, não sendo obri­gado a tra­ba­lhar mais anos para com­pensar a perda cau­sada pela apli­cação do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade. O Go­verno pre­tende obrigar o tra­ba­lhador a tra­ba­lhar mais tempo para com­pensar essa perda au­men­tando a idade de re­forma ou apo­sen­tação de uma forma a que isso su­ceda de ma­neira uma for­çada. É pre­ci­sa­mente essa in­tenção que consta da pág. 58 e 59 do Re­la­tório do OE2014 onde se pode ler tex­tu­al­mente o se­guinte: «Em 2014, a idade da re­forma será igual à idade de 65 anos mais o tempo ne­ces­sário à com­pen­sação do im­pacto do fator de sus­ten­ta­bi­li­dade, as­su­mindo uma taxa de bo­ni­fi­cação de 1%/​mês. Assim, serão ne­ces­sá­rios mais 12 meses de tra­balho para além dos 65 anos para com­pensar a re­dução do mon­tante das pen­sões em re­sul­tado da apli­cação do novo fator de sus­ten­ta­bi­li­dade de 12% (nin­guém sabe como o Go­verno chegou a este valor pois de acordo com a es­pe­rança de vida aos 65 anos co­nhe­cida, a subs­ti­tuição do ano de 2006 pelo 2000 na fór­mula de cál­culo faz au­mentar o fator de sus­ten­ta­bi­li­dade de 4,78% para 9,55%) . A partir de 2015, a idade normal de acesso à pensão em vigor em 2014 (66 anos) passa a va­riar de acordo com a evo­lução da EMV aos 65 anos, ve­ri­fi­cada entre o 3.º e 2.º ano an­te­ri­ores ao ano de início da pensão, na pro­porção de 2/​3 dessa va­ri­ação. Assim, em 2015, a idade normal de acesso à pensão de ve­lhice em vigor em 2014 (66 anos) irá va­riar na pro­porção de 2/​3 da va­ri­ação da EMV aos 65 anos ve­ri­fi­cada entre 2012 e 2013. Em 2016, a idade normal de acesso à pensão de ve­lhice em vigor em 2015 irá va­riar na pro­porção de 2/​3 da va­ri­ação da EMV aos 65 anos ve­ri­fi­cada entre 2013 e 2014, e assim su­ces­si­va­mente ao longo dos anos». Por­tanto, o Go­verno pre­tende au­mentar a idade de re­forma ou da apo­sen­tação (o que vi­gorar na Se­gu­rança So­cial é au­to­ma­ti­ca­mente apli­cado pela CGA de acordo com a lei que o Go­verno pre­tende aprovar) todos os anos. E se acabar com as re­formas ou apo­sen­ta­ções an­te­ci­padas os tra­ba­lha­dores terão de tra­ba­lhar um nú­mero sempre cres­cente de anos para se poder re­formar ou apo­sentar. Eis uma outra me­dida que o Go­verno pre­tende impor aos por­tu­gueses: tra­ba­lhar mais anos para re­ceber pen­sões cada vez mais re­du­zidas.

Re­tro­cesso so­cial

O Go­verno pre­tende des­truir os ser­viços pú­blicos de edu­cação, saúde e se­gu­rança so­cial, através do es­tran­gu­la­mento fi­nan­ceiro o que, a con­cre­tizar, de­ter­mi­nará o re­tro­cesso so­cial.

Assim, de acordo com o Re­la­tório do OE2014, entre 2013 e 2014, as trans­fe­rên­cias do Or­ça­mento do Es­tado para o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde di­mi­nuirão de 7882,5 mi­lhões de euros para 7582,1 mi­lhões de euros (pág. 186), ou seja, so­frerão um corte de 300 mi­lhões de euros; as com o en­sino bá­sico, se­cun­dário, e ação es­colar bai­xarão de 6250,5 mi­lhões de euros para apenas 5738,7 mi­lhões de euros (pág. 191), por­tanto so­frem uma re­dução de 511,8 mi­lhões de euros; as com o en­sino su­pe­rior di­mi­nuem de 2274,4 mi­lhões de euros para 2177,8 mi­lhões de euros (pág. 195), ou seja so­frem um corte de 96,8 mi­lhões de euros em 2014; as com a Se­gu­rança So­cial caiem de 25 331,4 mi­lhões de euros para 25 094,1 mi­lhões de euros (pág. 115), por­tanto so­frem um corte de 237,3 mi­lhões de euros, e isto numa al­tura de grave crise so­cial. Por­tanto, estas três im­por­tantes fun­ções so­ciais do Es­tado so­frerão num ano apenas (2013/​2014) cortes que atin­giram 1145,9 mi­lhões de euros. E a gra­vi­dade desta si­tu­ação ainda se torna mais clara se se tiver pre­sente que estes cortes de 1145,9 mi­lhões de euros se juntam a cortes muito grandes feitos em anos an­te­ri­ores (por ex., se­gundo o Re­la­tório do OE2013 – pág.110 –, entre 2011 e 2013, a des­pesa com a função «Edu­cação» di­mi­nuiu de 7878,5 mi­lhões de euros para 6753,5 mi­lhões de euros (menos 1115 mi­lhões de euros) e a des­pesa com a função «Saúde» caiu de 9170,6 mi­lhões de euros para 8507,4 mi­lhões de euros, por­tanto menos 663,5 mi­lhões de euros. É im­por­tante re­fletir sobre as con­sequên­cias dra­má­ticas, em termos so­ciais e eco­nó­micos, da im­ple­men­tação de cortes tão ele­vados nas des­pesas de ser­viços es­sen­ciais à po­pu­lação. En­quanto leva a cabo esta po­lí­tica que lesa gra­ve­mente os in­te­resses e con­di­ções de vida da es­ma­ga­dora mai­oria dos por­tu­gueses, este Go­verno com o apoio da troika baixa o IRC, no­me­a­da­mente às grandes em­presas, que fará o Es­tado perder re­ceita fiscal que es­ti­mamos seja su­pe­rior a 250 mi­lhões de euros já em 2014, lança im­postos ri­dí­culos sobre a banca (até Junho 2013, o Es­tado tinha fi­nan­ciado a banca com 14 473 mi­lhões de euros e no art.º 138.º da pro­posta de lei de OE2014 estão pre­vistos mais 6400 mi­lhões de euros para apoios à banca) e em­presas pro­du­toras de energia cuja re­ceita é pra­ti­ca­mente igual ao que pre­tende sacar aos pen­si­o­nistas com pen­sões de so­bre­vi­vência e poupa, de uma forma obs­cena, a mai­oria dos grupos eco­nó­micos a quais­quer sa­cri­fí­cios que mantêm in­to­cá­veis os seus ele­vados lu­cros, e em muitos casos até os au­mentam à custa de perda de re­ceita fiscal por parte do Es­tado. É uma po­lí­tica de classe clara que pre­tende tornar mais rica uma mi­noria já rica, agra­vando ainda mais as graves de­si­gual­dades exis­tentes.

Um Or­ça­mento do Es­tado desta na­tu­reza ao re­duzir o ren­di­mento de uma forma sig­ni­fi­ca­tiva da mai­oria da po­pu­lação e, con­se­quen­te­mente, o con­sumo vai agravar e apro­fundar a re­cessão, ma­tando qual­quer ten­ta­tiva de re­cu­pe­ração, e ao de­gradar os ser­viços agrava as con­di­ções de vida da po­pu­lação. Para além disso, como es­creve Jo­seph Sti­glitz, prémio Nobel da Eco­nomia, em «O Preço da de­si­gual­dade», «a de­si­gual­dade chegou a um nível que pode ser ine­fi­ci­ente e má para o cres­ci­mento»; em ou­tras pa­la­vras, cons­titui um obs­tá­culo ao cres­ci­mento eco­nó­mico e ao de­sen­vol­vi­mento que urge al­terar re­du­zindo a ri­queza obs­cena de uma mi­noria que con­trola a eco­nomia e o poder po­lí­tico em Por­tugal.